Hoje foi um dia espetacular. Participei do curso do mestre Chassot sobre a História e Filosofia das Ciências e, posso dizer que fiquei encantado com as curiosidades sobre fatos históricos e como eles afetam a nossa visão da ciência. Tudo isso numa linguagem envolvente, aqui e ali pontuada de muito bom humor.
O curso teve duração de duas tardes, sendo hoje a segunda e última parte do curso. Infelizmente, porque adoraria passar mais algumas tardes tão ricas e agradáveis quando foram estas.
Mas o que quero comentar aqui não é sobre o curso em si, sobre o qual eu não saberia descrevê-lo em poucas palavras, dada a vasta riqueza de detalhes e análises discorridas por nosso mestre, tampouco saberia fazê-lo com a mesma beleza e clareza, pelas quais nós nos encantamos. Para tal, eu aconselho a leitura de suas obras, indicadas no Blog do Mestre Chassot e, para quem tiver a oportunidade, ouvi-lo em algum de seus inúmeros cursos pelo país afora.
Pois bem, a história da qual quero comentar é sobre os cubeiros. Vou tentar me fazer entender.
Durante a sua explanação, o mestre Chassot gosta de interagir e perguntar se as palavras menos conhecidas estão sendo compreendidas pelo seu público. Então, após ter afirmado que eu conhecia algumas daquelas palavras pouco usuais, ele, bem humorado, passou a me desafiar com as outras palavras que surgiam e, é claro, apareceu uma que eu por mais que tentasse não consegui encontrar o seu significado.
A palavra é cubeiro, da qual, salvo algum lapso de memória, jamais ouvi falar. Cheguei a pensar semanticamente em cubas, como espécie de bacias, tigelas ou aquários, alguma coisa do gênero, mas o que seria um cubeiro isso eu não consegui imaginar.
O mestre Chassot, feliz por ter me apanhado nessa, explicou-nos que cubeiro se referia a uma profissão que existia na época em que as casas não tinham fossas sépticas nem água encanada. Nessa época, as latrinas tinham um recipiente de capacidade de mais ou menos vinte litros que coletava os dejetos que eram descartados em algum rio próximo e, era o cubeiro que passava nas casas coletando esse material nada precioso.
Depois disso, induzido pelos comentários de nosso mestre, fiquei imaginando como seria a tal profissão, conviver dia-a-dia com dejetos mal-cheirosos, potencialmente patogênicos e, provavelmente sem usar luvas e equipamentos de proteção. Sem falar no preconceito da sociedade para com essas profissões ingratas. Como será que seria chegar a um baile, nessa época, e se apresentar como cubeiro?
Lembrei-me de outra história semelhante, desempenhada pelos escravos em algumas capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Salvador e Recife, que tinham a sina de ir todas as manhãs despejarem ao mar os dejetos mal-cheirosos de seus senhores.
Conta-se que os Tigreiros, como eram chamados esses escravos, desfilavam pelas ruas da cidade, em meio a vísceras de animais e restos de vegetais em estado de putrefação, espalhados por todo lado, carregando as barricas na cabeça. Conforme se locomoviam, o conteúdo ia respingando sobre os ombros e as costas dos infelizes, o que provocava manchas na pele semelhantes às de um tigre, daí o apelido de Tigreiros.
Nessa época, em algumas cidades, todo o lixo doméstico e até mesmo os penicos eram despejados do alto dos sobrados diretamente sobre a rua, muitas vezes acertando a cabeça dos transeuntes e tornando-a uma verdadeira fonte de doenças como varíola, disenterias, febres e tantas outras.
Apenas no final do século XIX que médicos e autoridades passaram a se preocupar com a onda de doenças e começaram aplicar leis para disciplinar a coleta e o destino dos dejetos.
Bem, seguindo o conselho do mestre Chassot, que disse que devemos ser sempre curiosos, vou deixar o resto da história para quem quiser pesquisar e descobrir o que se fez, ou se deixou de fazer, até os dias de hoje sobre a questão do saneamento do Brasil e, mais uma vez recomendar os livros do mestre.
Para saber mais:
Blog do mestre Chassot
Cuidado com o Tigre!